terça-feira, 22 de setembro de 2009

ROMEO AND JULIET LAW - amores juvenis e a previsão legal?

O “Depoimento sem Dano” e a “Romeo and Juliet Law”. Uma reflexão em face da atribuição da autoria de delitos sexuais por adolescentes e a nova redação do art. 217 do CP.

João Batista Costa Saraiva

Juiz de Direito

Quando se trata de atribuição da autoria de um delito sexual contra criança ou adolescente, um estupro, por exemplo; e a amplíssima gama de condutas que sua nova tipologia encerra após a reforma do art. 213 do Código Penal; o sistema de justiça que naturalmente se inquieta, de uma forma que somente a Freud compete, ainda mais desconfortado fica.
Em se tratando de delito dessa natureza cuja autoria é apontada na direção de um adolescente a inquietação não é menor, e será ainda maior sendo a suposta vítima criança ou adolescente.
O desconforto resultante dessas situações pode ser dimensionado pelo extraordinário debate que cerca o tema do chamado “Depoimento sem Dano”, mecanismo alternativo de inquirição de crianças e adolescentes apontados como vítimas de delitos sexuais.
José Antônio Daltoé Cezar, lista os três principais objetivos deste mecanismo: “ Redução do dano durante a produção de provas em processos judiciais, nos quais a criança/adolescente é vítima ou testemunha; A garantia de direitos da criança/adolescente, proteção e prevenção de seus direitos, quando, ao ser ouvida em Juízo, sua palavra é valorizada, bem como sua inquirição respeita sua condição de pessoa em desenvolvimento; Melhoria na produção da prova produzida.” 1
Na crítica que formula à idéia, destaca Alexandre Morais da Rosa2, fazendo eco à pronunciamentos dos Conselhos Nacionais de Psicologia e de Serviço Social, que “há uma tensão recíproca entre “Direito” e os respectivos técnicos (Psi e Serviço Social), muito por não se ter clara a questão das “fronteiras” entre as abordagens, não obstante adotar-se a concepção de “heteronímia posicional” proposta por Rui Cunha Martins, entre o lugar e a função do Direito e do saber técnico, com as suas intrincadas relações mal-ditas, bem-ditas, balbuciadas ou silenciadas”.
O tema está distante da pacificação, porém, cumpre consignar que a idéia é oferecer uma alternativa às muitas formas de escuta judicial de crianças (especialmente) vítimas de delitos sexuais, na tentativa de minimizar os inevitáveis danos decorrentes dessa inquirição ou reinquirição.
O que deve ser verificada é a necessidade ou não da formalização do procedimento, enquanto garantidor de direitos da vítima e também do acusado, dentro de uma ordem jurídica que assegura o devido processo penal, na lógica do garantismo penal. Nem pela sacralização da vítima, nem pela demononização do acusado, mas sim pela busca da verdade e da justiça do caso concreto.
O fato é que, com freqüência, atribui-se a adolescentes a autoria de delitos dessa natureza vitimizando crianças ou outros adolescentes.
Assim, vítima e acusado estão, muitas vezes, em situação de proximidade de grau de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, a reclamar dos operadores do sistema de justiça uma ainda maior habilidade na condução desse processo que visa a apurar o fato.
Não se ignora que os Estados Unidos da América do Norte introduziram o mundo, antes da revolução francesa, na moderna república, e a eles devemos quase todos os conceitos de liberdades individuais que mundo a fora estão expressas nas constituições.
Pois os norte-americanos, não signatários da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, sempre lembrados pela carga “puritana” que permeia a ação de sua sociedade e sistema de justiça, em especial juvenil, trouxeram uma contribuição importante sobre o tema, que em nosso País pode ter operacionalidade, em especial diante da nova redação do art. 217 do Código Penal., que criminaliza o sexo com pessoa de menos de 14 anos.
Nos Estados Unidos, em muitos estados daquele País, o sexo consensual entre menores de 18 anos se faz crime, especialmente se homossexual.
A Lei brasileira, após o advento da Lei 12.015/2009, criminaliza toda relação sexual com menor de 14 anos3. Não há falar em violência presumida. Há o fato, há o crime; seja consensual, seja por violência ou ameaça. Pois os americanos, que punem o sexo consensual entre adolescentes, conceberam a chamada “Romeo and Juliet Law”.
Poderíamos traduzir, com vista à utilização de seus conceitos por aqui, como “Exceção de Romeu e Julieta”, inspirada nos célebres amantes juvenis imortalizados pelo gênio de Willian Shakespeare.
Consiste em não reconhecer a presunção de violência quando a diferença de idade entre os protagonistas seja igual ou menor de cinco anos, considerando que ambos estariam no mesmo momento de descobertas da sexualidade4. E conseqüentemente, em uma relação consentida, não haveria crime.
A rigor, a manutenção em 14 anos de idade para a chamada presunção de violência, apta a configurar crime ante a revogação do art. 224 e a nova redação do art. 217- A, todos do CP, reclama uma reflexão maior.
Se a legislação brasileira reconhece a condição de adolescente desde os doze anos de idade; permite que viaje desacompanhado por todo território nacional, autoriza sua privação de liberdade na hipótese de autoria de um delito, além de diversas outras prerrogativas, como o direito de ser ouvido e sua palavra considerada; exagera a norma a fixar em 14 e não em 12 anos a idade limite, ao menos sem estabelecer uma regra como a “Exceção de Romeu e Julieta”.
Em matéria de relacionamento sexual entre adolescentes, a nova regra do art. 217exagera em face da realidade do País e de nossa adolescência, podendo criminalizar a conduta de muitos adolescentes e pré-adolescentes na descoberta de sua sexualidade.
Vejam a hipótese de um namoro entre adolescentes ou pré-adolescentes, entre um menino de 13 anos e uma menina de 11 anos, que resolvam realizar “manobras sexuais investigatórias”, para colocar a questão em termos jurídicos. O que fazer? E se isso forem condutas homossexuais, que acabam produzindo as reações mais estapafúrdia dos pais e as vezes da própria escola, chamando polícia , criando escândalo, criminalizando a descoberta da sexualidade.
A “Exceção de Romeu e Julieta”, inspirada na “Romeo and Juliet Law” dos americanos deve ser considerada, especialmente nas Varas da Infância e Juventude, na operacionalidade deste art. 217-A do Código Penal.

1 DALTOÉ CEZAR, José Antônio. Depoimento Sem Dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62. Nesse procedimento a vítima é ouvida em ambiente distinto, sem os rigores de uma sala de audiência e conduzido por profissional da assistência social ou psicologia, a qual é o “instrumento” das perguntas formuladas desde outro ambiente, no qual estão o juiz e os demais atores da cena judiciária. 2 O DEPOIMENTO SEM DANO E O ADVOGADO DO DIABO. A violência “branda” e o “Quadro Mental Paranóico” (Cordero) no Processo Penal.
3 Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
4 Na aplicação da chamada “Romeo and Juliet Law” a Suprema Corte do Estado da Geórgia (cuja Legislação criminalizava a conduta sexual consensual entre adolescentes) liberou da prisão Garnalow Wilson, de dezessete anos de idade, que estava preso pela prática de sexo oral com uma menina de 15 anos. A legislação do Estado criminalizava a conduta de práticas sexuais entre adolescentes, mas a Suprema Corte determinou que Wilson fosse liberado porque a nova regra desconfigurou a criminalização do sexo consensual entre adolescentes.

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